Extremos na concepção de morar

Enquanto jovens aderem ao vintage, idosos querem décor contemporâneo

Turma mais nova busca composições decorativas com pegada antiga, retrô, ao mesmo tempo em que os integrantes da terceira idade preferem ideias modernas e marcantes nos ambientes

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postado em 17/10/2017 13:00 / atualizado em 14/10/2017 18:14 Joana Gontijo /Lugar Certo
A designer Melina Mundim fez várias intervenções no apartamento da aposentada Maria Lourdes, deixando-o com mais personalidade - Rodrigo Tozzi/Divulgação A designer Melina Mundim fez várias intervenções no apartamento da aposentada Maria Lourdes, deixando-o com mais personalidade

A casa, imagem e semelhança do morador. A cada momento da vida, um experienciar diferente com o lar. Mudanças que refletem escolhas. O frescor do que é original, o entusiasmo em detalhes, o sentir da liberdade, a noção do pertencimento, a alegria em se perceber identificado. Para perfis variados, a decoração entra para fazer aflorar a personalidade única do projeto em todos os elementos. A sociedade passa por processos de comportamento que invariavelmente encontram retrato na morada. Entre os jovens e os mais experientes, um contraste na relação com o habitar tem se tornado comum. Enquanto a moçada está em busca de composições com pegada antiga, os integrantes do que é a chamada nova terceira idade preferem ideias contemporâneas e marcantes.

“O público mais velho preza por uma morada com expressividade. Esse perfil não costuma aderir ao vintage. Mesmo quando não falam, dão preferência para a mobília atual”, detalha a designer de interiores Melina Mundim, especialista em projetos dedicados aos idosos, que estão ativos, livres, independentes, críticos e, quando se trata delas, para lá de vaidosas.

No tempo que tem de experiência com esse contorno de cliente, a profissional encontra muitos casos de mulheres que ficaram viúvas cedo, mas ainda estão cheias de vida. Elas procuram a reforma para receber a família e os amigos e, com os ambientes renovados, sentem mais vontade de estar em casa. “Em geral, os idosos querem vida nova, deixar o passado para trás, começar de novo”, diz.

E o vínculo com o lar segue na mesma direção. Os móveis existentes antes das intervenções na maioria das vezes, continua Melina, remetem a lembranças que já não são bem-vindas, por isso a vontade de trocar tudo por algo moderno, colorido e alegre. Seja repaginando ou adquirindo peças atuais, a decoração para esse perfil deve ser vigorosa, além dos aspectos práticos. “A madeira, por exemplo, geralmente carrega um clima mais pesado, e traz a memória dos móveis antigos. O mais indicado é ter materiais fáceis de limpar, como laca, acrílico, vidro e papel de parede. O idoso demanda tudo o que significa sua identidade em conexão com a casa”, ressalta Melina.

BEM-ESTAR

Projeto enche a casa de Maria Lourdes de cores e proporciona mais prazer para desfrutar o lar - Rodrigo Tozzi/Divulgação Projeto enche a casa de Maria Lourdes de cores e proporciona mais prazer para desfrutar o lar

A aposentada Maria Lourdes Freitas, de 70 anos, não se intimida com a idade. Ela faz pilates, caminhada, estuda inglês, sempre se encontra com as amigas para colocar o papo em dia, aprecia a culinária e, apesar de viajar muito, gosta mesmo é de estar em casa curtindo sua morada moderna, idealizada por Melina. “O lar interfere muito na nossa mente. Se está bacana, a mente da gente fica bacana. Agora tem mais vida. A renovação ajudou na organização, fiquei mais disposta, mais feliz, promove uma sensação de bem-estar. Hoje, tenho prazer de ficar em casa”, declara.

A senhora mora sozinha e diz que adora cores, para ela uma influência até no próprio humor. “Antes, meus móveis eram discretos, apagados, muito neutros. As peças novas levantaram meu astral e deram aconchego. Identifico-me com minha casa com mais carinho e entusiasmo. Paredes coloridas, quadros pendurados... Os espaços estão melhor aproveitados e com visual diferente. Tudo ficou mais moderno, mais confortável, mais prático. Amo entrar, olhar, estar aqui”, revela.

Ao contratar Melina Mundim, a aposentada Maria de Lourdes foi enfática: Ao contratar Melina Mundim, a aposentada Maria de Lourdes foi enfática: "quero tudo novo"

As mudanças começaram há quatro anos, primeiro no quarto de Maria Lourdes e nas salas de estar e jantar e, aos poucos, começam a se estender para outros cômodos. A aposentada conta ter um apreço especial pelos móveis da sala de jantar, como uma bela cristaleira em verde-claro, que dá graça à composição, as cadeiras estofadas, uma mesinha amarela e outra vermelha. “Antes, era tudo muito clássico. Depois das intervenções, ideias não faltam”, afirma.

“A confiança que esse tipo de cliente tem no nosso trabalho é algo maravilhoso. São pessoas com bagagem de vida e isso se transmite dentro de casa. A decoração fica com mais personalidade”, salienta Melina Mundim. A designer explica porque as cores em projetos voltados para a terceira idade são uma excelente opção. “Imagino que a preferência pela quantidade de cor se dê pelo fato de que quando vamos envelhecendo a percepção das cores diminui, então, essa mistura é boa para o olhar.”

Composição assinada por Melina na casa de Nadir de Freitas afasta a ideia de uma decoração séria e escura, como era o lar da aposentada na infância - Rodrigo Tozzi/Divulgação Composição assinada por Melina na casa de Nadir de Freitas afasta a ideia de uma decoração séria e escura, como era o lar da aposentada na infância

Nascida em família grande, a funcionária pública aposentada Nadir de Freitas, de 64, reside com a filha no Bairro São Pedro, Região Centro-Sul de BH. O modo de vida da infância no interior reflete profundamente a ligação que ela tem com o morar. Do casarão onde vivia em Corinto, com o pai, a mãe e nove irmãos, ela lembra dos móveis muito escuros, austeros, sérios, silenciosos, por assim dizer. “Meus pais eram muito rígidos, e a mobília me remetia isso. Acontecia até de ter medo de ficar em casa. Era tudo muto clássico, chegava a ficar retraída. Criança naquela época não tinha vez, nem voz.” Por isso, hoje quer da casa alegria, colorido, natureza, o contrário de antigamente. “Sem cor o espaço fica cansativo. As cores trazem energia positiva, chamam atenção, dão um toque especial. Minha casa é arejada, não tem tantos móveis e peças decorativas, mas é tudo harmonioso. Aprecio o estilo moderno porque fica diferente das recordações que tenho da infância, nem sempre muito boas.”

Adornos e móveis modernos estão em perfeita harmonia no apartamento de Nadir - Rodrigo Tozzi/Divulgação Adornos e móveis modernos estão em perfeita harmonia no apartamento de Nadir

Nadir também contou com Melina Mundim para revitalizar a decoração, a princípio no quarto dela, no living e na sala de jantar. Foram colocados adornos modernos em madrepérola, um sofá verde, uma poltrona acapulco com leitura atual, mesa de centro dourada, cadeiras estampadas, e até um enfeite feito com casca de árvore. A cozinha e os banheiros são claros, cleans e, no quarto, um papel de parede floral conversa com a cabeceira e as laterais da cama forradas com tecido no tom marsala. “Sinto-me muito bem. Entro em casa e já mudo o semblante, feliz, tranquila. É tudo aberto, o Sol bate e ilumina, enche de vida.” Uma atmosfera convidativa para a família e os amigos, que Nadir faz questão de receber com frequência.

SIGNIFICADO

Tendência em alta entre os mais antenados, os estilos vintage e retrô, por outro lado, agradam os jovens na hora de pensar na criação dos espaços, pontua a arquiteta Carmen Calixto. “Pode ser um item antigo reformulado, uma peça com design retrô pintada com uma cor diferente, que confere identidade, ou um lançamento que tenha essa pegada – muitas lojas trabalham com esse tipo de objeto”, diz. A moda é comum entre a meninada que tem personalidade e quer algo diferente, um ambiente que seja único, continua.

“São artigos com história, com significado, com desenho forte, marcante. Ao mesmo tempo em que as pessoas mais velhas procuram linhas retas, simples, mais minimalistas, os jovens querem coisas com informação, em muitas ocasiões mesclando estampas, cores, reedições e desenhos fortes com propostas modernas. Para os mais novos, a mistura entre o antigo e o novo sempre cai bem, uma maneira de ter um espaço exclusivo, que só você tem”, elucida Carmen.

A arquiteta afirma que, com esse público, a liberdade para trabalhar é imensa. “Nos deixam soltos para ousar em cores, texturas, estampas.” Pode ser um rádio ou uma cômoda vintage, cadeiras de designers famosos, pôsteres e cartazes, figuras lambe-lambe, vitrolas, móveis em palhinha, adornos retrô, heranças de parentes, e até eletrodomésticos recém-lançados com leiaute que lembra décadas passadas, citando apenas algumas possibilidades. “São composições que têm embutidas a memória afetiva”.

IDENTIFICAÇÃO

A estudante Bárbara Pimenta Guedes, de 24, é natural de Teófilo Otoni e mora em Belo Horizonte há seis anos. Quando chegou à capital para cursar direito, foi morar em um apartamento que era da avó, e que recebeu o mobiliário de outro imóvel da família, um tanto quanto no improviso. Com o passar dos anos, começou a ficar incomodada com a decoração, parecendo mesmo um peixe fora d’água. Resolveu procurar Carmen Calixto, deixando que a arquiteta apresentasse algo com o que pudesse se identificar. “Nem sempre gostei do estilo vintage, não pensava muito nisso. Ao procurar a arquiteta e ficar conhecendo melhor, acabei optando pelo tom antigo, que é mais a minha cara”, lembra-se.

Projeto da arquiteta Carmen Calixto para o imóvel da estudante Bárbara Pimenta buscou a ideia do vintage e criou ambientes únicos - Henrique Queiroga/Divulgação Projeto da arquiteta Carmen Calixto para o imóvel da estudante Bárbara Pimenta buscou a ideia do vintage e criou ambientes únicos

A remodelação começou na sala de estar e na varanda, e agora passou para a cozinha, com a renovação dos quartos nos planos para os próximos passos. “Gosto do vintage por ser algo diferenciado, menos comum de ver, apesar de agora mais difundido. Via nos apartamentos em geral ambientes sem cor, neutros, modernos até demais. Por isso busquei a ideia do vintage, nos móveis e com mais colorido em geral”, compara.

Avistada logo que se entra no imóvel, a cômoda é o xodó. Com inspiração retrô, recebeu pintura em rosa-quartz, super em voga, e, na opinião de Bárbara, ficou excêntrica e exuberante. Em cima, o relógio em lata descascada e um painel com grafismo dão charme ao conjunto. Retratos de ícones para a estudante, as molduras com imagens de Marilyn Monroe, Nelson Mandela, Beatles, Guns’n’Roses e Rolling Stones conversam com uma superfície em tijolinhos, que juntos afastam o branco total. A paleta em rosa, turqueza, verde, azul e amarelo ressalta ainda um painel vazado em laca estampado, espelhos e a mesa para refeições sem pés que sai apoiada da parede. Na varanda, o encanto fica por conta de quadrinhos que Bárbara traz de viagens.

Na casa de Bárbara, a cômoda retrô é avistada logo na entrada, ganhou um novo colorido e virou xodó  - Henrique Queiroga/Divulgação Na casa de Bárbara, a cômoda retrô é avistada logo na entrada, ganhou um novo colorido e virou xodó

“A decoração agora carrega meus gostos individuais e peculiares. Quis ter a minha identidade. Fico mais feliz de estar em casa, me sinto pertencida, até saio menos. Recebo famílias e amigos que vêm do interior, em fins de semana e feriados, muito mais satisfeita”, conta ela que, há seis meses, ganhou a companhia da irmã Valentina, de 19, mais uma amante do estilo antigo. “Ela já vai começar a redecorar o quarto.”

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