Os segredos da argila

Irmãos ceramistas criam obras que se harmonizam em várias propostas de decoração

Técnica milenar conquista cada vez mais espaço

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postado em 22/12/2018 18:48 Joana Gontijo /Lugar Certo
O ceramista Miguel de Souza (foto) divide um ateliê em Betim com os irmãos João Paulo e Carlos Miguel - Henrique Souza/Divulgação O ceramista Miguel de Souza (foto) divide um ateliê em Betim com os irmãos João Paulo e Carlos Miguel

As peças mais remotas conhecidas por arqueólogos têm origem na antiga Tchecoslováquia e datam de 24.500 a.C. Outros registros importantes são encontrados no Japão, há cerca de 8 mil anos, e também no Brasil, na região da Floresta Amazônica, na mesma época. Na China e no Egito, o surgimento aconteceu aproximadamente há 5 mil anos, sendo outras manifestações representativas entre os babilônios, os assírios e os persas. A capacidade da argila de ser moldada quando misturada com água e de endurecer após a queima permitiu que a cerâmica (do grego keramos, "argila") estivesse presente no planeta desde os primórdios da humanidade. Com o tempo, a técnica vem conquistando espaço.

Em uma das opções de uso da cerâmica, objetos feitos assim agregam aconchego à composição dos ambientes e podem estar harmonizados com diferentes propostas.

Falar das técnicas existentes é praticamente impossível, devido a amplitude deste campo. Saindo da aplicação na indústria de revestimentos, sanitários, tijolos, motores, entre outros, e das propostas utilitárias e decorativas, as cerâmicas artesanais e artísticas encontram um leque diversificado de obras que, por dentro, sinalizam um sentido de pertencimento ao representar experiências, tradições, histórias que perpassam famílias, laços identitários, enquanto retratos da vida. Não é à toa que esse tipo de trabalho seduz admiradores pelo mundo inteiro e ganha protagonismo dia a dia, uma vez fruto de criação única e reflexo autêntico da presença de um povo.

O pequeno João Luccas, de 1 anos, observa o pai, João Paulo, trabalhando a argila: arte de geração para geração - Arquivo Pessoal O pequeno João Luccas, de 1 anos, observa o pai, João Paulo, trabalhando a argila: arte de geração para geração

Na família dos irmãos ceramistas João Paulo da Mota de Souza, 37, Miguel de Souza, 44, e Carlos Miguel Mota, 33, a atuação com a cerâmica vem de berço. Desde 1998, eles dividem ateliê em Betim, na Grande BH, onde moram. O pai, Manoel Miguel de Souza, aprendeu com sua mãe, Joana Assunção, ainda em Pernambuco, a arte de modelar a terra. A avó deles, escultora, também ensinou esses passos para os outros filhos, inclusive um deles, Zé do Carmo, que, até hoje, na cidade pernambucana de Goiana, continua o fazer com pintura e escultura, criador da figura dos anjos cangaceiros. A linhagem familiar que derivou daí expandiu a obra primeira de Joana.

Na década de 1970, em busca de melhores oportunidades, o jovem Manoel resolveu se mudar para Minas Gerais e, logo quando chegou a Betim, até então solteiro, estabeleceu um espaço para abrigar sua atividade com a cerâmica. Conheceu Maria Amélia Mota, casou-se, e com ela teve cinco filhos. Além de João Paulo, Miguel e Carlos, outras duas irmãs nasceram dessa união, mas não seguiram os caminhos pela arte - hoje são empregadas domésticas. João Paulo relata que o pai mantinha uma amizade íntima com Noemi Macedo Gontijo, educadora, artesã, fundadora e presidente de honra do Salão do Encontro de Betim, Organização Não Governamental surgida nos anos 1970, de notoriedade internacional. "Ele criava obras para Noemi, frequentava sua casa e falava com ela: 'quando eu morrer, cuide dos meus filhos pra mim'. Foi o que ela fez. Abriu espaço para participarmos do Salão do Encontro, o que aconteceu por cerca de 20 anos", agradece.

OBSERVAÇÂO

Juarez Rdorigues/EM/D.A Press

A aprendizagem sobre a cerâmica partiu, no início, da observação curiosa dos irmãos mais velhos sobre o trabalho do pai. "Quando ele faleceu, eu tinha 8 anos. Me lembro do castigo que eu recebia por causa de bagunça: amassar a argila", recorda-se João Paulo. Já para Miguel, que, na época da morte, tinha lá seus 13 anos, o contato com Manoel foi mais próximo - ele lhe transmitiu diretamente diversas técnicas.

Arquivo Pessoal
João Paulo representa em suas obras cenas do cotidiano, de cunho social, muitas vezes até de crítica. É pai de duas crianças, de 1 e 10 anos. O primogênito já demonstra interesse pelo fazer manual e criou suas próprias peças em cerâmica. Miguel, por sua vez, aprecia e cria elementos com temas religiosos e de folclore, como santos, anjos, presépios, a partir de uma leitura que remete à família e à vivência familiar . "Dou muito valor para a família. Com a ausência de nosso pai, depois de nossa mãe, nos aproximamos muito, e o trabalho no ateliê fortalece essa relação", conta.

A linha de produção de Carlos, por outro lado, passeia por objetos de uso para o lar, como panelas de barro, luminárias, vasos de planta, fruteiras, potes, cachepôs em forma de animais como patos e cisnes. Filho caçula, ele revela que não guarda recordações do pai - tinha apenas 4 anos no momento do falecimento. Assim, despertou atenção pela cerâmica através da percepção sobre o processo artístico dos irmãos. Nesta época, estava próximo dos 13 anos de idade. Carlos pôde trabalhar no Salão do Encontro por uma década, onde aperfeiçoou sua técnica. Conta que costumava ter crises de nervosismo, e o contato com a cerâmica, para ele, funcionou mesmo como uma terapia. Com a rotina na ONG em Betim, também salienta o fato de ter aprendido a respeitar o outro, por causa da convivência com pessoas dos mais diferentes perfis.

Atualmente, recebe pedidos por peças em cerâmica, mas divide a atividade com a profissão de mecânico industrial. "Vivia em meio a cerâmica, não tinha como não me interessar.Via meus irmãos transformando o barro pelas mãos. O toque, sentir a argila, o barro. A cerâmica resgata o olho no olho. A tecnologia é o contrário, só virtual. Cerâmica é real, é uma presença. No meu caso foi até uma maneira de fazer amigos. Hoje agradeço muito por ter conhecido essa arte, que jamais sairá da minha vida", diz.

EXPOSIÇÕES

Leticia Alves/Divulgação

Os irmãos participam de feiras, exposições e eventos variados, onde encontram boa demanda por seus trabalhos, e ainda apostam nas vendas pela internet. São também procurados por lojistas, que rendem ótimas oportunidades de negócio.

"Conseguimos sobreviver bem com a cerâmica, mas também faço trabalhos paralelos. Ministro aulas de cerâmica duas vezes por semana em uma fundação no Buritis, em BH, recebo encomendas e também faço restauração. É difícil viver só daquilo que a gente gosta", pondera João Paulo.

Arquivo Pessoal

Miguel projeta no trabalho seu imaginário, sua criatividade, suas experiências diárias. Para ele, com o avanço da tecnologia, as pessoas esquecem o mais importante: as relações humanas. Por outro ponto de vista, mesmo nesse cenário altamente automatizado, a cerâmica volta a ter notoriedade, valorizada como expressão artística, avalia Miguel. O artista ressalta o poder da cerâmica de permitir o retorno às raízes, à essência, contribuindo propriamente para o crescimento pessoal de quem faz. "As pessoas estão estressadas, deprimidas. Não adianta ter bens materiais se não encontram o equilíbrio. Tudo se orienta pelo alcance da felicidade e o trabalho com a cerâmica é esse resgate. Procuro ver na arte um sentido para a vida, encontrar a harmonia entre o emocional e o espiritual, muito além dos aspectos financeiros. É o olhar pela simplicidade, onde está a verdadeira felicidade - nas coisas simples da vida", finaliza Miguel.

Quem estiver interessado no trabalho dos irmãos ceramistas pode entrar em contato pelo (31) 9.9958-3496 (whatsapp) ou no Instagram: @artesmota e @ateliemigueldesouza

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